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Crítica:

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O Último Azul

Em um momento em que o cinema mundial volta sua atenção para o Brasil, O Último Azul, dirigido por Gabriel Mascaro, estreia nesta quinta (28) como uma das grandes promessas do audiovisual nacional. O filme já carrega reconhecimento internacional, tendo recebido o Urso de Prata no Festival de Berlim, em fevereiro deste ano. A história se passa em uma realidade distópica inspirada no cotidiano ribeirinho da Amazônia, onde o governo retira dos idosos o direito de decidir sobre suas próprias vidas. A justificativa oficial é oferecer-lhes “descanso” após anos de trabalho, evitando que suas escolhas atrapalhem o espaço reservado à juventude, vista como a força ativa da sociedade.

Os idosos são tratados como povo inválido, que não tem capacidade de decisão própria ou permissão para continuar suas vidas da maneira que desejam. Carregados em carrocinhas como animais de rua e descartados do convívio social com seus familiares, sua função é apenas uma: não atrapalhar os jovens ativos. Neste cenário conhecemos Tereza, interpretada por Denise Weinberg, que, com 75 anos de idade é forçada a deixar seu trabalho antes do que imaginava para ser alocada a uma Colônia, local para onde os idosos são forçados a ir após certa idade. Com sua vida ativa e trabalhadora, ela se vê fadada a um destino aprisionador, e decide reagir e viver um último sonho abandonado com o tempo, ela quer voar de avião. Essa busca se mostra desafiadora. Na idade em que está, sua filha recebe sua guarda legal e uma compensação financeira do Governo, e Tereza tem cada passo vigiado, apenas podendo se locomover pelo estado ou realizar qualquer transação financeira com a autorização da filha.

Determinada a concretizar esse desejo antes de ser confinada, Tereza enfrenta diversos obstáculos, demonstrando uma vitalidade inesperada, capaz de surpreender até quando comparada à energia dos mais jovens. Ao longo da jornada em que a trama e a protagonista se desenvolvem, Tereza cruza o caminho de diferentes personagens que a auxiliam em etapas cruciais da narrativa, favorecendo seu amadurecimento e fortalecendo sua conexão com seus próprios desejos. Desejando alcançar uma cidade próxima, onde ouvira falar da realização de voos de ultraleve — aeronaves leves, de baixo custo e velocidade reduzida —, ela precisa superar as dificuldades de locomoção pelo território ribeirinho. Para isso, procura um barqueiro disposto a transportá-la, oferecendo-lhe uma quantia considerável em dinheiro. É nesse ponto que surge Cadu (interpretado por Rodrigo Santoro), figura central para o início de sua evolução. Ele apresenta a Tereza, mesmo que despretensiosamente, novas formas de enxergar o futuro, incentivando-a a abandonar os passos inseguros e a não permitir que obstáculos travem seu caminho.

Os personagens secundários, apesar de aparecerem brevemente, deixam marcas significativas. Cada encontro enriquece a narrativa e contribui para a transformação de Tereza. O personagem vivido por Adanilo, por exemplo, surge em um momento menos dinâmico do filme, mas desempenha papel determinante no rumo final da protagonista. A direção de Gabriel Mascaro acrescenta um tom lírico e quase poético, dando corpo à maneira como Tereza percebe o mundo e suas próprias possibilidades. Os cenários não são apenas pano de fundo, mas comunicam mensagens sutis ao público. Desde a imensidão do rio Amazonas, símbolo de vida e diversidade, até a imagem provocadora de uma montanha de pneus descartados, que ironicamente sugere uma compensação ao impacto do desmatamento, cada ambiente contribui para a crítica social presente no filme.

Apesar de lidar com temas delicados e cenários inquietantes, a obra transmite uma serenidade surpreendente, ao mesmo tempo em que instiga reflexões profundas sobre a velhice. A narrativa reforça a ideia de que a vida só se encerra quando a própria pessoa deixa de vivê-la plenamente, enquanto denuncia como o envelhecimento é tratado de forma utilitarista por uma sociedade que valoriza indivíduos apenas enquanto são produtivos. No clímax, Tereza enfrenta seus receios e arrisca tudo o que tem em busca daquilo que reconhece como essencial para sua existência. É nesse ponto que a presença de Roberta, uma freira peruana, se torna decisiva, ajudando a protagonista a conquistar sua tão almejada liberdade enquanto percorre os rios amazônicos.

Num mundo que celebra sobretudo as conquistas da juventude, propor que os sonhos da velhice também tenham espaço é não apenas inovador, mas necessário. O Último Azul convida o espectador a repensar a passagem do tempo e a ampliar os horizontes sobre o envelhecer, reafirmando que os sonhos não têm prazo de validade.

Joinhas:

5

Por:

@oiemandy

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